Esta resenha apresenta o ensaio, que se encontra na obra
História Econômica Colonial, intitulado como: Por que a escravidão africana? A
transição da força de trabalho: uma abordagem, no Brasil págs. 8 a 11; no
México, págs. 11 a 16 e na Carolina do Sul, págs. 16 a 18; escrito por Russel
R. Menard & Stuart B. Schwartz do Departamento de História de Minnesota.
Para contextualizar e confrontar alguns estudos encontrados no ensaio de Russel
e Schwartz, foi escolhida a obra intitulada como: Aspectos da Economia Interna
da América Espanhola Colonial: mão de obra; tributação; distribuição e troca, é
o 6º capítulo da obra História da América Latina, organizado por Leslie Bethel.
Os dois trabalhos tratam da sociedade e economia colonial da
América, e delineia algumas das estratégias utilizadas para se obter lucro
através do sistema de escravidão. O ensaio de Russel e Schwartz apresenta a
estrutura do mercado de trabalho atlântico no início da era moderna com o
objetivo de descrever as limitações que irão caracterizar o desenvolvimento do
escravismo e suas possibilidades, e delinear elementos comuns do
desenvolvimento da escravidão levando-se em consideração as particularidades
locais, sem no entanto, se prolongar com muitos detalhes.
Os autores Russel e Schwartz descrevem em sua obra, o
processo histórico de transição do trabalho escravo indígena para o africano, a
estrutura da economia atlântica, suas imperfeições e as variações de
mão-de-obra no Brasil, pelos portugueses, no México, pelos espanhóis e na
Carolina do Sul, pelos ingleses, cada colonizador buscando sua autonomia dentro
do disputado sistema econômico do Atlântico.
O texto de Macleod examina três aspectos da economia interna
que são: os sistemas de trabalho, págs. 219 a 238; a tributação, págs. 239 a
252 e a atividade comercial do dentro do império págs. 252 a 268. Os aspectos
analisados dialogam e aprofundam com o ensaio de Russel e Schwartz, sendo, que
Macleod aprofunda sua análise sobre a América Espanhola.
Russel e Schwartz iniciam o texto citando teses de outros
autores a respeito da escravização dos africanos como a hipótese da fronteira
aberta de E. Domar, tese que afirma que a escravidão teve maior expansão na
América devido a grande quantidade de recursos versus escassez de mão de obra. O
texto de Macleod descreve que, no primeiro momento, os sistemas adotados pela
América Espanhola, onde, inicialmente, houve a extração dos excedentes,
realizado muitas vezes através de saques e pilhagens, forma utilizada para
pagar os soldados ou expedicionários voluntários, após esse momento foram
implantadas formas mais sistemáticas de exploração, algumas delas, diretamente
com os indígenas.
Sobre a justificativa da escravidão africana do ponto de
vista epidemiológico, que sustenta que os negros teriam maior resistência a
determinadas doenças, Russel e Schwartz citam a tese de Wood. No trabalho de Macleod
é citado o efeito dessas doenças para o sistema de encomienda, um acordo imposto pela Coroa aos indígenas, considerado
segundo o autor “mais ou menos amigável”:
Outras
forças entraram em ação para enfraquecer a encomienda. Uma das mais importantes
foi o declínio populacional. Em virtude da falta de imunidade às doenças do
Velho Mundo e da destruição econômica e cultural causada pela conquista e pela
revolução que ela provocou, as populações indígenas desapareceram aos milhões
nos anos que se seguiram à conquista. (MACLOAD, 1999: págs. 223 e 224)
Sobre a associação da mão-de-obra africana e o cultivo da
cana de açúcar, Russel e Schwartz citam Earle. Em suma, os referidos autores
pretendem derrubar a tese de que a escravização dos africanos se deu
exclusivamente a partir do ponto de vista racial e étnico e reforçam que este
sistema era muito mais complexo e o aprofundamento do seu estudo deve se levar
em consideração suas particularidades.
Russel e Schwartz fazem também referência a Immanuel
Wallerstein, que descreveu a escravidão africana na América como propulsor
necessário ao desenvolvimento do capitalismo mercantil na Europa, uma ordem
econômica mundial. Sobre a interpretação de Wallerstein os autores afirmam que:
Seja pelas
razões pertinentes às regiões centrais ou pelas respostas locais a condições
específicas, esta interpretação transforma o trabalho escravo numa consequência
lógica do capitalismo, mas ela não oferece uma explicação adequada quanto ao
porque da escravidão ter sido a forma de coerção escolhida, ou porque os
africanos se tornaram a maior fonte de mão-de-obra. (RUSSEL & SCHWARTZ,
2002: pág. 4).
Para o aprofundamento do tema, os autores Russel e Schwartz
desenvolvem do geral para o particular e exploram a transição da escravidão no
Brasil, no México e na Carolina do Norte. O texto divide-se então nos seguintes
tópicos: Transições na força de trabalho: uma abordagem; O caso do Brasil; A
experiência mexicana; A situação na Carolina do Sul e Conclusão Sumária.
Em O caso do Brasil, os autores Russel e Schwartz descrevem o
caminho percorrido pelos portugueses de 1450 até implantar como mão de obra
predominante no Brasil, os africanos. Explicam que a escravidão era um sistema
utilizado pelos portugueses antes do Brasil. Na Península Ibérica, as disputas
entre os cristãos e islâmicos favoreceu este tipo de mão de obra escrava. Inicialmente
os portugueses tinham interesse em extrair determinados produtos das Terras do
Brasil como o pau-brasil, primeiro produto a ser exportado, adotando o sistema
do escambo com os índios.
Esta relação passa por mudanças em 1530 com as Capitanias
Hereditárias, segundo Marchant, quando se passou a incentivar o povoamento
costeiro por colonos portugueses, implantava-se neste período um sistema
permanente de colonização. O sistema de escambo com os índios não foi bem
sucedido para o cultivo da cana-de-açúcar.
Os portugueses então passam a escravizar os índios, que
retiraram em fugas, desencadeando assim, campanhas militares entre 1540 e 1550.
No entanto, em 1540 já existia importação de escravos africanos para
Pernambuco, mas nos primeiros anos, os escravos eram predominantemente
indígenas. Sobre a necessidade de mão-de-obra, o autor Macleod, diz que entre
1520 e 1540 os líderes grupos espanhóis reconheceram a necessidade de um
sistema de mão-de-obra que evitasse disputas e causassem rebeliões indígenas e
mostra um parâmetro fracassado no que diz respeito à tentativa de manter
sistematicamente a escravidão da população nativa.
No Brasil, o quadro não foi diferente do que foi citado por
Macleod na América Espanhola, segundo Russel e Schwartz após 1560 se tornou
difícil manter a escravidão indígena, tendo em vista as epidemias que ocorreram
entre 1559 e 1563 e dizimaram tribos inteiras. Não era vantajoso para os
portugueses investir na mão de obra indígena, além do mais, a produção
açucareira requeria mão-de-obra mais qualificada como a experiência na Ilha da
Madeira. Os africanos tinham experiência em cultivos agrícolas e eram mais resistentes
às doenças tropicais. No que se refere à América Espanhola, Macleod diz que:
De
modo geral, devido às distâncias e aos custos envolvidos, a aquisição e a
manutenção dos escravos africanos eram mais onerosas que as dos índios de
aldeia, e não havia aldeia agrícola auto-suficiente à qual pudessem retornar na
baixa temporada. O crescimento de uma grande população trabalhadora de escravos
africanos teve de aguardar o desaparecimento ou declínio da população americana
nativa. (MACLOAD, 1999: pág. 236)
No Brasil, Russel e Schwartz explicam que, a partir de 1570
então, há um aumento significativo na importação de escravos africanos para trabalharem
nas plantations, apesar desta
transição ter sido feita de forma gradual, entre 1570 e 1650, a mão de obra indígena
permanece sendo utilizada, mas é superada pelos africanos em 1650.
No terceiro tópico intitulado A experiência mexicana, os
autores Russel e Schwartz desenvolvem o trabalho sobre as atividades econômicas
no México ou Nova Espanha, colônia que, assim como o Brasil, utilizou a mão de
obra escrava africana, mas em proporção menor, conforme descrito pelo autor
Macleod, Russel e Schwartz qualificando consideram que, no México o sistema foi
mais flexível, neste caso, Macleod apresenta que essa flexibilidade se dá pelos
sistemas implantados, muitas vezes complexos como os citados em seu texto: a encomienda, o repartimiento e a peonaje,
diversas tentativas de adaptações influenciadas por várias crises, fracassos e
fatores, mas que proporcionava mais opções de mão-de-obra incialmente escravos
indígenas, assim como no Brasil. Nas primeiras quatro décadas, os espanhóis
recorreram à escravização indígena para obtenção de mão-de-obra. Depois se
apropriaram do sistema de naborias,
sistema pré-colombiano de servidão, cita Russel e Schwartz.
Russel e Schwartz também fazem referência ao sistema encomienda, principal forma de
organização do trabalho ao longo do século XVI, em que um espanhol ficava
responsável por um determinado grupo indígena e administrava os tributos e
serviços que estes indígenas proporcionavam. Por volta de 1540, passa a existir
também o repartimiento, ou seja, a
utilização de índios das aldeias em serviços para o governo.
No
México e no Peru esses repartimientos de mão-de-obra, que mais tarde receberam
o nome de encomiendas, tornaram-se uma maneira de compartilhar de modo mais ou
menos amigável a oferta de mão-de-obra com os primeiros colonizadores mais
poderosos e prestigiosos, com a exclusão daqueles que não tinham o poder ou
posição para fazer outra coisa senão se queixar. (MACLOAD, 1999: págs. 222)
Segundo Russel e Schwartz, assim como no Brasil, em 1570 a
importação de escravos africanos aumentou, havia mais negros do que espanhóis
no México, mas os negros ainda eram minoria da população, inclusive nas áreas
de plantation. Macleod reforça que os
escravos africanos chegaram à América espanhola junto com algumas das primeiras
expedições no século XVI, esses escravos eram encontrados no bateamento dos
rios auríferos mais ricos e em locais cujos lucros eram altos ou na falta de
mão-de-obra indígena.
Russel e Schwartz apresentam que os espanhóis estavam
dispostos a procurar qualquer tipo de mão-de-obra, o declínio da população
indígena no século XVI os estimulou a recorrer até para o tráfico de escravos
filipinos, mas as Filipinas nunca se tornaram fonte importante de mão-de-obra. Em
1640, a rebelião portuguesa foi um marco, pois desestruturou o sistema
escravista dos asientos, acordos
comerciais de monopólios de produtos, em 1663 é firmado um novo acordo com
genoveses. A população indígena diminui e se recupera no fim do século XVII, há
um aumento de escravos africanos alforriados, filhos de um escravo com índia
livre, nascem livres. Uma das diferenças desse sistema econômico colonial entre
o Brasil e o México é que, segundo os autores “os senhores mexicanos
encontraram uma fonte de mão de obra segura e barata no mercado de trabalho
composto pelos descendentes livres dos aborígenes da região.” (RUSSEL &
SCHWARTZ, 2002: pág. 17).
Na parte do ensaio que se refere à Carolina do Sul, os autores
Russel e Schwartz ressaltam semelhanças entre o Brasil, o México e a Carolina.
As três colônias se utilizaram de mão-de-obra com etnias e status sociais diferentes, quando necessário recorreram à
escravização de africanos por situações semelhantes. A principal diferença apontada
pelos autores se refere à rapidez e eficiência com que as Carolinas implantaram
a escravidão africana. Essa eficiência é justificada pelo fato dos 150 anos de
escravidão já existente na América, antes das Carolinas adotar o sistema.
A obra de Macleod delinea sobre os diversos sistemas de
trabalho com a exploração dos índios para extração da riqueza local e sua
acumulação, além das tributações que colocavam estes nativos em posição de
súdito, ou seja, os espanhóis invadiram suas terras, realizaram a exploração de
suas riquezas, dilaceraram a cultura local, massacraram tribos inteiras,
trouxeram doenças que dizimou o restante da população, e os que sobraram foram
tratados como mão-de-obra que merece ser explorada e deverá pagar tributos
onerosos morando em suas próprias terras.
Além
do tributo, dois outros sistemas de taxação – ou antes de extorsão – foram
impostos extensamente aos pobres do campo. O sistema mais comum, aplicado em
algumas das regiões mais pobres da América espanhola, foi a derrama. De acordo com essa prática, os
índios das aldeias, em geral mulheres, eram forçados a trabalhar as matérias-primas,
via de regra a lã ou o algodão, até o estágio ou estágios seguintes de
elaboração. Desse modo o algodão bruto era transformado fio a fio em tecido
cru, o tecido cru em tecido tingido, e assim por diante. (MACLEOD, 1999: pág. 242)
O texto de Russel e Schwartz conclui ressaltando a
importância que a estrutura da economia atlântica teve no surgimento da
escravidão nas colônias da América. Os tipos de mão-de-obra apresentadas pelos
autores, nos dá um parâmetro sobre a variedade das forças de trabalho, mas
mostra que, no caso dos africanos, estes estavam inseridos num contexto de
proporção internacional devido à rápida expansão das plantations.
Ambos os trabalhos representam uma excelente referência para
quem tem interesse em compreender como se dava a economia atlântica e algumas
de suas particularidades no que se refere à mão-de-obra e alguns aspectos que
caracterizam a sociedade colonial.
Murdo
J. Macleod é professor emérito de História da Universidade da Flórida em
Gainesvile.
Russel R. Menard é professor do Departamento de História da
Universidade de Minnesota, entre suas especializações está a América colonial e
história da escravidão.
Stuart B. Schwartz é professor do Departamento de História da
Universidade de Yale, Presidente do Conselho de Estudos Latino-Americana e
Ibérica.