quarta-feira, 20 de maio de 2015

A Dieta Mediterrânica, a Sustentabilidade dos Territórios e a Museologia


Por Jorge Queiroz – Director do Museu Municipal de Tavira


A palavra sustentável tem origem no termo latino "sustentare" que significa segurar, apoiar, conservar.

O conceito de sustentabilidade relaciona-se com atitudes e actividades humanas correctas do ponto de vista ecológico, economicamente viáveis, socialmente justas e respeitadoras da diversidade cultural.
Em 1987 a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento da ONU definiu desenvolvimento sustentável como “o progresso ou desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer as capacidades das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”.  

Existe coincidência entre a noção de desenvolvimento sustentável e as formas sustentáveis de produção e de consumo, de crescimento e as dietas alimentares.

Outros conceitos igualmente ligados à noção de sustentabilidade são os de “segurança alimentar” e “soberania alimentar”. O primeiro tem a ver com a capacidade ou possibilidade da comunidade em dar resposta a fenómenos de insuficiência alimentar generalizada ou localizada, por outro lado a soberania alimentar está relacionada com o acesso aos alimentos, à protecção do património genético, de espécies autóctones ou endógenas, pressupõe a continuidade de práticas agrícolas fundamentais como o uso das sementes trocadas entre os agricultores desde há milénios.

 "Sustentável" indica também a intenção equilibrada de sustentação, o termo "desenvolvimento sustentado" significa que o objectivo foi ou está a ser alcançado.

A questão da sustentabilidade ambiental do planeta, dos modelos de desenvolvimento equilibrados e justos, da segurança e soberania alimentar, das dietas sustentáveis e da prevenção das “doenças da civilização” são temas de primeira ordem na actualidade mundial.

2 - A “dieta mediterrânica”, foi reconhecida e inscrita pela UNESCO a 4 de Dezembro de 2013 em Baku na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade, incluindo 7 Estados e Comunidades, entre os quais Portugal e a sua comunidade representativa Tavira.

A “dieta mediterrânica” é um património civilizacional, com origem no termo grego “daíata” que significa estilo de vida, resulta de práticas e conhecimentos milenares que evoluíram com a sedentarização, os processos de agricultura e domesticação de animais, o conhecimento tecnológico e científico, o desenvolvimento das cidades e as mobilidades, as colonizações e os mercados.  

As três grandes religiões monoteístas nascidas no mundo mediterrânico sacralizaram alguns alimentos e promoveram interdições. O pão, o azeite e o vinho constituem a “trilogia sagrada” presente nos principais rituais simbólicos do universo mediterrânico.

As práticas culturais ancestrais têm na sua base os ciclos astrais, que determinam ciclos agrários, as festividades, os alimentos e os pratos característicos de cada época do ano. A agricultura familiar e de proximidade permitiram até hoje quotidianamente consumo de produtos frescos de elevada variedade e riqueza nutricional.

A mesa, nas culturas mediterrânicas, é um lugar central no convívio e na transmissão de conhecimentos entre gerações.

A “dieta mediterrânica” foi “descoberta” na década de 50 do século XX por uma equipa internacional dirigida pelo fisiólogo norte-americano Ancel Keys, divulgada pela primeira vez com a publicação do estudo “Seven Countries, a Multivariete Analysis of Death and Coronary Hearth Disease”, no qual se constatava a menor prevalência de doenças cardiovasculares e coronárias, também maior longevidade em populações de regiões mediterrânicas analisadas (Creta, ex-Jugoslávia e sul de Itália) comparativamente com os resultados obtidos nos EUA, Japão, Países Baixos e Finlândia.    

Estudos posteriores vieram confirmar esses resultados e a importancia do estilo de vida e da alimentação mediterrânica na prevenção de AVCs, obesidade, diabetes ou diversos tipos de cancro.
Desde a década de 90 que a DM é considerada pela Organização Mundial de Saúde - OMS como um padrão alimentar de excelência.

Caracteriza-se do ponto de vista nutricional por uma alimentação lacto-vegetariana com utilização quotidiana de cereais, baixo consumo de gorduras animais e carnes vermelhas, o uso do azeite como óleo alimentar na preparação e acompanhamento dos pratos, de aromáticas e frutos secos, vinho e infusões como bebidas mais frequentes.

A vida ao ar livre e o contacto com a natureza, as convivialidades intensas à volta da mesa e no espaço público, as culturas de partilha e cooperação, as actividades físicas são elementos fundamentais para a boa saúde física e psíquica, individual e colectiva. 

3 - O “mediterrâneo” reconhecido pelas ciências do ambiente como um espaço geocultural de elevada biodiversidade foi também factor determinante no surgimento e evolução do que hoje consideramos como valores da “civilização ocidental”.   

Recentemente a FAO integrou a dieta mediterrânica no conjunto de “dietas sustentáveis” do planeta.
“Dieta sustentável” por ser portadora de conhecimentos ancestrais no armazenamento e aproveitamento da água, produzir menos carbono e poluentes, pela quase inexistência de “pegada ecológica”, sobretudo por ser um importantíssimo factor na preservação da biodiversidade do planeta.

4 - O Museu Municipal de Tavira, instituição da comunidade que representa Portugal na inscrição na Lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO, mantém patente ao público uma exposição didática sobre a Dieta Mediterrânica, que explica os seus fundamentos histórico-culturais e científicos. O Museu Municipal desenvolve ainda trabalhos de inventário, diversas acções incluídas no Plano de Salvaguarda aprovado pela UNESCO como o programa “Dieta Mediterrânica Todo o ano”, passeios mensais de interpretação do património e oficinas de culinária.

Na Feira da Dieta Mediterrânica, realizada no primeiro fim-de-semana de Setembro de cada ano, dezenas de milhares de pessoas fazem a festa e adquirem os produtos locais, mas também têm musica, teatro, bailes, desporto, espaço para as crianças, aconselhamento nutricional e cardiológico e estilos de vida saudáveis.

Os Museus têm um papel importante na defesa da sustentabilidade e diversidade cultural do planeta.
                                      


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